quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pesquisadores buscam aprimoramento de pupunha para produção de Palmito

Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) identificou dois genes que controlam os espinhos presentes na pupunheira, derrubando a hipótese de que a palmeira seria mendeliana – controlada por um gene apenas. Com a descoberta, os pesquisadores querem, agora, tentar erradicar a presença de espinhos nas pupunheiras para tornar seu manejo e plantio mais simples, reduzindo custos no cultivo e o valor de produtos finais que chegam ao consumidor.

Os resultados da pesquisa, referenciada em padrões apontados por Gregor Mendel, pioneiro da genética, apontam que os espinhos presentes nas pupunheiras são controlados por dois ou mais diferentes genes, o que os tornam não-mendelianos. Isto significa dizer que não são controlados por um gene apenas – características mendelianas. Um exemplo que todos conhecem é a cor dos olhos, com alelos (qualidades alternativas presentes em cada gene) para marrom (escuros), azul, verde, cada qual com pouca variação em tonalidade.

Numa pupunheira ou em um ser humano, cada gene tem dois alelos, duas possíveis qualidades. Numa população de pupunha ou de humanos é possível haver vários alelos alternativos. Os olhos humanos, por exemplo, têm sua cor determinada por alelos diferentes. O alelo para os olhos marrons é dominante ao alelo para olhos azuis, de forma que olhos azuis somente ocorrem quando o indivíduo tem a presença de dois alelos para azul no gene que expressa essa característica, enquanto a presença de um único alelo para marrom resulta em olhos marrons.

Originalmente, imaginava-se que os espinhos eram caracteres mendelianos e a sua presença ocorria quando havia apenas um dos genes que o determinavam. Com essa descoberta, compreende-se melhor por que é tão difícil eliminar geneticamente os espinhos do cultivo da pupunha. O tipo de pupunheira analisado na pesquisa é originário do Peru, onde os povos indígenas haviam selecionado com técnicas rudimentares plantas sem espinhos. Para Charles Clement, coordenador da pesquisa, os índios peruanos fizeram um ótimo serviço. “Após essa descoberta, creio que podemos melhorar um pouco mais o que eles fizeram”, aponta o pesquisador.

Segundo o pesquisador a eliminação desses espinhos não tem grande impacto na produção da pupunha, mas poderia tornar seu manejo e plantio mais simples, com impactos na redução de custos no cultivo e na comercialização de palmito. Com o novo dado, os pesquisadores tomam consciência das dificuldades envolvidas na eliminação dessa característica. “Isto é complicado, porque ainda precisamos determinar o número de genes envolvidos”, explica Clement.

Pesquisa com pupunha favorece mercado

Há 30 anos, o Inpa trabalha em pesquisas com a pupunha da região Amazônica e foi o Grupo de Pesquisa com a Pupunha do instituto o responsável pela identificação da pupunha sem espinho, que hoje serve o Brasil inteiro no agronegócio de palmito de pupunha. O conjunto dessas pesquisas é realizado com objetivo de aumentar a produtividade da planta, que poderia diminuir um pouco o preço do palmito. “Se conseguirmos diminuir o preço, mais pessoas podem comprar palmito”, acredita o Clement.

O pesquisador, e também professor da pós-graduação do Inpa, é um dos líderes do Grupo de Pesquisa com Pupunha, junto com Kaoru Yuyama, também pesquisador do Inpa. Uma de suas pesquisas recentes foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e teve como foco a análise da diversidade genética e o estudo do fluxo gênico entre populações da pupunheira visando subsidiar o programa de melhoramento para produção de palmito. O estudo contou com a participação de Doriane Rodrigues, então doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e atualmente professora no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da universidade.

A coleta das sementes desse tipo de pupunheira foi realizada antes de o Conselho Nacional do Patrimônio Genético (CGEN) criar normas para esse tipo de transporte, inclusive antes da Convenção sobre Diversidade Biológica, firmada na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, mais conhecida como Rio-92. A última excursão de coleta no Peru foi desenhada para montar um ensaio de progênies (um experimento estatístico desenhado para comparar grupos de plantas provenientes de matrizes diferentes) para fins de melhoramento da pupunheira para palmito.

A excursão foi executada por Wanders Chavez, atualmente bolsista do Inpa, e o ensaio foi montado por ele e Yuyama. “Este ensaio foi duplicado no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em São Paulo. O Inpa e o IAC trabalham com esse mesmo material”, afirma o pesquisador.

“Inicialmente, analisamos a morfologia das plantas, para ver como que os frutos e as plantas variam. Este foi especialmente importante em termos dos espinhos. Mesmo que falemos em pupunheira sem espinho, na verdade elas têm espinhos em diferentes partes. Pode ser que não tenham espinhos no tronco ou nas folhas, mas existem espinhos em outras partes. Yuyama selecionou apenas pupunheiras que não tinham espinhos em nenhuma parte”, esclarece Clement.

Com a descoberta de que os espinhos são caracteres genéticos quantitativos, torna-se necessário saber mais sobre a genética da planta. “Nós conseguimos ver diferentes características das populações da pupunheira com a utilização dos modernos marcadores moleculares, que trabalham em nível do DNA”.

Segundo Clement, a pesquisa, executada por Rodrigues com apoio do Programa Integrado de Pesquisa e Inovação Tecnológica (PIPT), foi importante em dois aspectos. “Primeiro, analisamos as progênies sabendo que havia uma planta-mãe (a matriz da progênie), mas sem saber quantas plantas-pais havia. Rodrigues descobriu que poderia variar de apenas um até vinte. Então, vimos que a pupunha no pico da safra é altamente cruzada com diferentes fontes de pólen, que são as plantas-pais”, explica. Para ele, isso é importante porque quanto maior o número de plantas-pais maior a segregação, ou seja, a variabilidade das progênies.

Essas características quantitativas – espinhos ou a produtividade de palmito de cada pupunheira – acabaram levando os pesquisadores a perceber outra variável – confirmando que essa análise será ainda mais complicada - pois há muitas possíveis fontes de pólen.

“Para fazermos o melhoramento da pupunha, o único jeito que faz sentido agora é a polinização controlada. Até hoje estávamos fazendo a polinização aberta, que é um tipo de melhoramento chamado de seleção massal, no qual você pega as matrizes de boa qualidade, mas de polinização aberta, e depois você planta as progênies” explica. Atualmente Chavez e Yuyama estão realizando cruzamentos controlados entre matrizes de boa qualidade.

Para Clement, outra parte importante da pesquisa realizada foi a possibilidade de uma análise das matrizes já selecionadas segundo a qualidade do palmito. “A análise genética nos possibilitou a comparação dessas matrizes, para vermos se são diferentes ou similares. Se são diferentes, podemos cruzá-las e esperarmos ver o que chamamos de Vigor Híbrido, quando uma planta divergente é cruzada com outra divergente, ou seja diferente, o que pode proporcionar mais vigor”, comenta animado o pesquisador. Esta informação agora está sendo usada por Chavez e Yuyama para planejar seus cruzamentos.

Financiamento

Como o programa de melhoramento de pupunha do grupo é grande, são captados recursos em momentos distintos para diferentes tipos de pesquisa. A pesquisa apoiada pela Fapeam foi desenvolvida para melhorar o palmito da pupunha, mas acabou acarretando outros questionamentos. Um desses suscitará um projeto submetido ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), no qual será estudada a questão do número de plantas-pais para cada planta matriz em diferentes momentos do período de floração.

“O que queremos saber é se no início e no fim da safra de pupunha haverá o mesmo número de plantas-pais que existem no pico da safra”, adianta-se o pesquisador. Ele acredita que, por razões de fenologia da pupunha e de como que variam os diferentes estágios reprodutivos da planta ao longo do ano, no início e no fim da safra haverá um menor número de plantas-pais. Segundo Clement, isso deve ocorrer porque existem menos plantas florescendo nesses momentos e porque existem menos polinizadores para carregar pólen de uma pupunheira para outra. Este projeto será proposto pela professora Doriane Rodrigues, da Ufam, que executou a pesquisa já finalizada.

“Esse programa de melhoramento da pupunha é uma parceria entre o Inpa, a Ufam e a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária (Embrapa), na qual cada instituição trabalha em diferentes aspectos. Hoje a Embrapa tem um grande ensaio nacional de progênies de pupunha, liderado por Antonio Kalil, da Embrapa Florestas”, informa Clement. O impacto desse programa será um melhoramento da pupunha realizado de forma mais eficiente e uma geração de variedades de pupunha mais apropriadas para o plantio de palmito nas diferentes regiões do Brasil.

O maior problema do programa de melhoramento de pupunha, segundo o pesquisador, não é científico. “Nosso grande problema é que Manaus não consome muito palmito. Apesar de Manaus ter uma população de 1,8 milhão de pessoas, tem uma classe média de apenas dezoito mil famílias. E apenas as famílias da classe média para cima consumem o palmito”, elucida o professor.

Clement lembra que, ao longo da década de 90, o Inpa incentivou a agroindústria de palmito no Estado do Amazonas. No entanto, a ausência de um mercado local comprometeu o sucesso da iniciativa no Amazonas. “Nossa pesquisa aqui vai servir para toda Amazônia, mas o impacto real vai ser relativamente pequeno, graças às características econômicas de nossa região, que já fizeram com que a Embrapa expandisse essa pesquisa a nível nacional”, esclarece.

O mercado de palmito em Manaus é pequeno quando comparado com o mercado do sudeste. “Apenas o estado de São Paulo consome 70% de todo palmito produzido no Brasil e 50% do palmito produzido no mundo. O mercado principal de palmito é São Paulo. Mas, para nossos empresários do setor primário, exportar esse produto para São Paulo é muito caro, o que dá vantagem competitiva para produtores de outras regiões”, lamenta o pesquisador.

Embora o setor tenha dificuldade em exportar para São Paulo, os produtores têm uma vantagem competitiva importante: Amazônia ainda é a melhor região para produzir sementes. Alguns produtores reorganizaram seus plantios para produzir apenas sementes e as vendem para outras regiões do país onde se produz palmito. Dessa forma, o projeto de melhoramento de pupunha para palmito mantém um impacto positivo na região e Manaus continua sendo um pólo de treinamento para pesquisadores da pupunha.

Fonte: Fapeam

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